sexta-feira, 22 de junho de 2007

O Santa Cruz perseguia o título desde 1947. O campeonato de 1957 foi disputado palmo a palmo e teve de ser decidido num superturno. Na final, o time da poeira se encontrava com o Sport e sua fanática torcida, em plena Ilha do Retiro. Você vai ver agora como o Santa Cruz se tornou supercampeão e se emocionar com os momentos daquele grande clássico.

O Santa Cruz entrou no gramado da Ilha do Retiro em 16 de março de 1958 para a grande final do campeonato pernambucano de 1957, aliás, supercampeonato de 1957. O time foi para o jogo com sua formação clássica: Aníbal, Diogo e Sidney; Zequinha, Aldemar e Edinho; Lazoninho, Rudimar, Faustino, Mituca e Jorginho. Eles são a esperança dos milhares de torcedores. Encarnam o sonho de alegria e vingança dos operários, dos funcionários públicos, dos moradores dos mocambos. Sonho dessa valente poeira que fez dele o mais popular time do Recife.

O capitão Aldemar estava completando sua caminhada em direção ao centro do gramado, saldando a torcida e recebendo dela os primeiros aplausos. A força para comandar essa sensacional batalha contra o Sport, que vem de Manga, Bria e Osmar; Zé Maria, Mirim e Pinheirense; Roque, Traçaia, Liminha, Carlos Alberto e Geo. O Tricolor já era grande, mas ainda pobre. Não tinha um estádio, só um campinho de treino. O Sport ganhou o sorteio e joga em casa, para um público de 29.051 torcedores. Caso o Santa tivesse ganhado, o jogo seria nos Aflitos.

Os repórteres faziam as últimas entrevistas, os times posavam para os fotógrafos, o juiz uruguaio, Esteban Marino, tomava as providências para o início da partida. Torcedores e jogadores estavam chegando à máxima tensão, ao auge do nervosismo. Era o encerramento de um empolgante campeonato que teve três turnos e um campeão em cada. Então, em lugar da tradicional melhor-de-três, se organizou o Superturno.

A série foi aberta com o empate de 1x1, entre Sport e Náutico – que logo daria adeus ao título ao perder para o Santa por 3x1, três gols de Lazoninho. Era chegada a hora de por fim a um sofrimento que já durava uma década. A última vez que o clube das multidões havia sido campeão foi em 1947. Nos dez anos seguintes o clube chegou perto em várias oportunidades, mas sempre deixando escapar o título. Ora ante ao Náutico, que ainda conservava a tradição de não ter negros no time, ora frente ao Sport.

Os times estão formados, Esteban Marino instrui os capitães Aldemar e Mirim. Há um silêncio sepulcral – como diria o comentarista Jota Soares. Torcedores entreolham-se. Não se falam. Mas as fisionomias dizem tudo. Impaciência. Por que tantas entrevistas? Por que o Juiz não começa logo o jogo?

Um minuto antes, ainda se discutia, ainda se dizia que este seria o ano do Santa e ninguém toma. O tricolor já fez barba e cabelo, ao levantar os títulos nos aspirantes e juvenis – com um time que, por não tomar conhecimento dos adversários, era chamado de Juventude Transviada, em referência ao filme com o astro James Dean. Ainda se falava da má sorte dos outros anos. Dizia-se, enfim: só falta o bigode para a festa ser completa. E pronto: olha a bola rolando.

O Santa força, explora a estupenda forma de Lanzoninho. O Sport vem pela esquerda, com Geo, que tira proveito da lentidão de Diogo, o beque central que o técnico Alfredo Gonzáles resolveu transformar em lateral direito, por falta de melhores opções para a posição.

Ataque do Santa, falta do Sport, barreira de seis. Torcida em transe à espera do chute de Fautino, carinhosamente chamado de Marcelino Pão e Vinho – o filme é um sucesso, e Faustino, um baixinho de 18 anos, cheio de manhas e habilidades, encarna para a torcida dengosa essa picardia quase infantil. Principalmente quando se enfia, matreiro, entre os beques adversários. Mas o tiro de Faustino morre na barreira, levantando clássico ôôôooo, meia vida, meia morte, com que o povão do Santa entoa suas frustrações.

Mas já se esquece a tristeza, o Santa ataca novamente, porque de novo Faustino vai tonteando Bria, que descarrega para escanteio. É o garoto, o Marcelino da massa, quem cobra, direto na cabeça de Rudimar, que golpeia com precisão. No grito de gol, levanta a poeira, explode o estádio. A festa nasce aos 4 minutos de jogo.

E a torcida do Santa está quente. Covarde? Quem disse? O domingo está ficando diferente de tantos outros. O time morde e defende; defende e investe, a garra dos jogadores é a garra da torcida. O Sport quer reagir, a linha média do Santa não deixa. O Sport desnorteado quer recuperar o controle. Mas a cobrinha aproveita a onda, obriga o jovem manga a fazer defesas bonitas. O mito da cobra-coral se incorpora, deixa de ser mera analogia com este uniforme de três cores. Há veneno em cada lance do Santa.

Há um instante que o Sport é só torcida – mas seu grito de guerra fica suspenso, quando Mituca lança para Lanzoninho, que entra rápido na área. Ia ser gol, foi pênalti. De Osmar. Estéban Marino aponta para a marca. Traçaia e Mirim catimbam, protestando, mas são severamente advertidos pelo juiz uruguaio.

Roque pede calma, enquanto Aldemar, numa imponente elegância, caminha calmo para a área. Na torcida do Sport, silêncio. Na do Santa, festa. Mas todos se calam quando o centromédio toma a distância para a cobrança. Parece mais um ritual de tourada. Hora de matar, de ganhar frieza para desferir o golpe. Manga balança, no desespero de fechar o gol. Aldemar Passeia, corre, chuta.

Aos 18 minutos, o segundo gol. Um estrondo nunca visto. Uma torcida sofrida e pobre, essa massa do Santa economizara os foguetes no primeiro gol, guardara a preciosa munição o desafogo definitivo. As bandeira se agitam. O time está diabólico. Manga tenta consertar no grito os erros de sua defesa. Do outro lado, Aníbal tranqüilo: ninguém vem fustigar o seu gol.

Os torcedores do Sport se irritam, passam a vaiar o técnico argentino Dante Bianchi. Aos 26, a maré tricolor está de novo, ameaçando inundar a área de Manga. Zequinha, outro garoto revelação, dá uma bola com açúcar e Faustino, que passa por Bria e Osmar. Desespero de Manga. Azar do Santa. Bola na trave.

Termina o primeiro tempo. Os torcedores mergulham na cerveja. Cedo para comemorar? Que nada, este título está no papo. O Sport pode ser raçudo como for, mas este é do Santa. E parece verdade – ou parece mentira: aos 2 minutos, o terceiro da cobrinha. Falta de Bria em Zequinha, que cobra alto na cabeça de Rudimar. Manga estica-se todo, na defesa acrobática, mas termina soltando nos pés de Mituca. Não tem jeito: é bola na rede.

Delírio. O Supercampeonato está levantado. Está? É preciso ter cuidado, porque lá vem o Sport, rugindo no embalo de uma torcida que bate recorde de teimosia. Ainda há a boa trama entre Lanzoninho e Faustino – mas é a tradição de luta do Sport que revive a cada lance. São 22 minutos, e Carlos Alberto, que vinha mal na partida, faz o primeiro do Leão. Inflamam-se os rubronegros, cresce a reação. Carlos Alberto cobra o escanteio na medida para Traçaia, que perde um gol de cego. Nas gerais, suspiros de alívio. Nas sociais, olho nos relógios.

A onda passa, o povão do Santa retoma o grito de guerra – mas ele vem frio, murcho, porque o time está incrivelmente recuado. Ou foi o Sport que se desdobrou, que foi tomando o campo, alugando o espaço? E vem o segundo gol, no tiro de Zé Maria de fora da área. Olha o super indo pra cucuia: é o que se tema na geral tricolor. O leão, time e torcida, cada vez mais vibrante. Torcida covarde? Mas como gritar, se o time parou. Por sorte que, também se acalmou.

Finzinho de tempo, e para o Sport só mesmo um milagre. Mas o milagre acontece do lado do Santa. É uma bola cruzado sobre a área, é Carlos Alberto vindo ninguém sabe de onde, para o toque de calcanhar, a cruzeta. Tinha a cara de gol, tinha o ar de tristeza infinita voando para a galera do Santa. Mas teve Aníbal, milagroso pegando firme.

E assim o Santa entrou na festa no prolongamento de um susto. Tumulto nas gerais. No campo, o juiz apitando o fim do jogo. Lá fora, o Recife virando um pandemônio, o frevo emergindo das Repúblicas Independentes do Arruda, tomando o centro, espraiando-se pelos bairros distantes. De repente, a Avenida Beberibe torna-se intransitável, porque lá fica a sede do Santa e é pra lá que convergem milhares, dezenas de milhares de torcedores. Para lá correm os garotos que passaram a acompanhar o time, quase bebês, em 1947. E que jamais haviam festejado a conquista de um título.

Até o governador, Cordeiro de Faria, aproveita para fazer média e comparece à sede, misturando-se com o povão. Com o povinho. Com meia cidade que não deixa dormir meia cidade. Que faz a sua esperada festa. Festa do Campeão Sputnik, como dizia o Diário de Pernambuco, numa alusão ao satélite russo recém-lançado. Festão de um time com cara de povo. Pobre, sim. Covarde, nunca.

Texto retirado de uma edição da Revista Placar de 1979.
Agradecimento super especial mais uma vez, ao João Bosco Filho.

4 comentários:

Anônimo disse...

Grande Rubens Sousa, não tinha entrado ainda no seu blog. Parabéns! Muito bom, mesmo! Serei leitor fiel.

Se João Bosco Filho for o famoso Bosquinho, procurado pela polícia federal brasileira, e foragido na Espanha, mande-lhe um abraço!

Brincadeirinha...

Rubens Sousa disse...

Artur,
João Bosco é o Bosquinho mesmo que tá lá na Espanha :)
Agora a PF já sabe o paredeiro dele hehehehe :)

Anônimo disse...

Sensacional!
Parabéns pelo blog!

Anônimo disse...

Eu tenho as fichas técnicas dos jogos dos três tri-super (1957,1976 e 1983), mas não tenho narração detalhada de nenhum deles.
Muito bom o texto sobre a decisão de 1957.