segunda-feira, 4 de junho de 2007

Diante de um placar adverso de 1x5, e faltando apenas 15 minutos para o fim do jogo, o impossível acontece!
Esta é a história da virada mais espetacular do futebol brasileiro.


Descrever os espectaculo que assistimos hontem, no campo dos Aflictos, é uma tarefa de difficil execução, quase impossível. Palavras não podem existir que traduzam com fidelidade o que pela primeira vez tivemos occasião de estupefactos observar.Impossível, sim, pois tudo que tenhamos e possamos consignar nesta chronica não corresponderá, estamos certos, ao que merece o glorioso team que, com heroísmo, defendei hontem o pavilhão tricolor.

(É o Jornal Pequeno de 16 de abril de 1917, relatando na seção Sports, parte reservada ao foot-ball, mais que um simples jogo Santaex América. O repórter está contando a história de uma das mais inacreditáveis e heróicas viradas de todos os tempos.)

Extinctos os minutos destinados ao descanso, voltam as equipes a campo e vemos apparentemente confirmada a nossa supposição, pois, o América marcou logo outro Goal.Dahi por deante a luta augmentou de interesse e os tricolores mostram-se ávidos em vingar o score adverso construído pelos adversários. E de facto, com um jogo de electrisar a assistência, os mesmo dominaram a barra de Jorge até que conseguiram marcar um goal. Outro goal é marcado.

(A “suposição” do repórter: os beques estavam falhando. Mas os jogadores, no intervalo, alegavam que o problema era do goleiro: Ilo Just – diziam – estava doente. Só jogava por amos à camisa. Mas o incrível seria esta reação nunca vista: o Santa ia ganhar um jogo que perdia por 5x1 para o América.)

A assistência delirou de enthusiasmo, as torcedoras do glorioso tricolor com gritos de verdadeiro estímulo transformaram os players em perfeitas flechas. Pitota, com admiráveis e educados driblings marcou mais dois goals, debaixo de uma acclamação vibrante, verdadeira sagração ao seu feito.

Estabelecido o impossível empate o jogo aumentou de intensidade e os americanos não obstante esfaldados reanimam-se e fazem algumas investidas que não dão muito resultado, pois Castro na posição de back se mostrou de uma acctividade assombrosa. Tiano organizou alguns ataques a barra de Jorge eis que mais um goal consegue cavar.
Mais outro goal. Sá consegue marcar, quando ouvimos o apito terminando o jogo.

Como vêem os nosso leitores, venceu este match verdadeiramente sensacional o team do valoroso Santa Cruz pelo score de 7 x 5.

A victoria em si nada encerra de admirável, porem a forma pela qual ela foi obtida é um verdadeira facto sem exemplo em nosso meio esportivo. Faz-nos d’alguma forma crer nas preces que esgueram as mademoiselles, as quais com tanta dedicação offerecem as suas “torcidas” aos bravos defensores do pavilhão tricolor.

(O repórter não conta o detalhe: bastaram 15 minutos para o Santa virar o jogo; e bastou este jogo para que o nome Santa Cruz se transformasse em símbolo de raça, de vibração popular.)

Mas como aquilo aconteceu?

Em 1979, aos 78 anos, o médico Martiniano Fernandes – catedrático aposentado, ex-senador, e ex-diretor da maternidade Oscar Coutinho, no Recife – não conseguia esconder a emoção ao relembrar passagens da épica vitória. Então, a torcida o conhecia pelo apelido de Tiano.

“Eu era o capitão do time. Nosso ataque contava com cinco baixinhos, mas todos muito rápidos. No segundo tempo, resolvi deslocar Pitota para a ponta-direita – o efeito foi quase milagroso. Rapidíssimo, Pitota deixou tonta a defesa do América e passou a centrar bolar para a área. Fiz três gols e os outros foram marcados por Nequinho, Joaquim de Sá e Pitota. Pitota driblou quase todo time do América antes de marcar. Foi uma vitória tática: como o América correra demais no primeiro tempo, não pode acompanhar nosso ritmo no segundo, já que exploramos a velocidade de nossos jogadores.”

O centroavante Zé Tasso era respeitadíssimo pela gente do Santa Cruz, cuja camisa vestira. Ele tinha se transferido para o América por influência do irmão, o goleiro Jorge Tasso. E agora estava ali, enfrentando os antigos companheiros.O jogo esteve para ser adiado por causa da morte de um sócio do América. Mas o Alviverde terminou jogando, isto depois de publicar uma nota, justificando sua ida a campo pela necessidade de não prejudicar o campeonato.O Santa marcou o primeiro gol. Mas logo Zé Tasso empatou o jogo e fez outros três goals. A torcida tricolor, desanimada, perdeu a fé quando, já no segundo tempo, o América chegou aos 5 x 1. Muitos abandonaram o campo envergonhados, mas a torcida feminina continuou a gritar, como se tivesse certeza da reação.

“No começo, contamos com a torcida das empregadinhas, acho que por ser o time formado de estudantes, do Colégio Salesianos”, lembra Tiano. “Depois as patroas se sentiram atraídas.”

Mas poucos previam o resultado que não fosse a derrota. A preocupação dos jogadores do Santa era fugir à desastrosa goleada. À medida que o tempo passava, lutavam mais e mais para diminuir a diferença. Foi aí que Zé do Castro perguntou a um torcedor quantos minutos restavam: apenas quinze.
Daí pra frente, começou a impressionante seqüência de seis gols, deixando todos perplexos, como recorda Tiano:
“Foi um delírio, muita gente que havia deixado o campo, voltou ao ouvir a algazarra feita a cada gol.”

O professor Martiniano jogou no Santa de 1915 a 1922, quando rompeu um menisco num amistoso contra o Ceará. Parou e, no ano seguinte, formou-se em medicina. Nunca foi campeão – “Naquele tempo, quando o campeonato chegava na reta final, o Sport reforçava a sua equipe gente de fora e acabava ganhando tudo” – mas participou de muitos feitos gloriosos do tricolor. Nada porém, comparável à incrível vitória sobre o América, página escrita na história por ele e seus companheiros Ilo Just, Mangabeira, J. Silva, Zé do Castro, Teófilo, Manoel Pedro, Anísio, Pitota e Alberto Campos e América.Feito que foi tema de uma palestra que ele fez aos jogadores do Santa, às vésperas de uma decisão de campeonato, na época em que o clube era presidido pelo milionário James Thorp.

Texto extraído de uma edição da revista Placar, de 1979.
Agradecimento especial ao João Bosco Filho.

3 comentários:

Paulo Aguiar disse...

Sensacional! Muito bom!!!

Bosquímano disse...

Nao precisa agradecer.
Eu gosto muito desta história. Minha avó, que torcia pelo Santa por causa do meu avô, havia me contado que meu avô já estava em casa quando começou a virada... depois voltou correndo pro campo. Depois encontrei este texto numa revista placar de 79, era uma ediçao espacial sobre o Santinha, que fazia parte da séria as maiores torcidas do brasil.

SAudaçoes Tricolores

Washington L. Vaz disse...

Sensacional esta história Rubens!

Tenho um blog que retrata a história do América de Recife (http://blogdomequinha.blogspot.com).

Forte Abraço.